Universal



A crise econômica de 1929 praticamente atingiu drasticamente todas as indústrias norte-americanas, fazendo com que a produção fosse diminuída, mas nem todas as indústrias seriam totalmente atingidas pela depressão, como foi o caso da indústria cinematográfica de Hollywood. Num momento de crise, nada melhor do que produtos culturais que ajudem as pessoas a esquecerem seus problemas: homens viris, mulheres lindas, paisagens exóticas e histórias de amor e aventura fizeram a cabeça de milhões de pessoas desempregadas e desesperadas pela crise. Mas um estúdio resolveu investir em imagens contrárias a estas: cadáveres, vampiros, lobisomens, etc. Os resultados? Sucesso absoluto! Estamos falando da Universal Pictures, o mais antigo estúdio com operações contínuas existente nos Estados Unidos.
O estúdio foi fundado por Carl Lemmle, figura que entrou na vida cinematográfica em 1906. A Universal abriu inicialmente dois estúdios em Los Angeles e, em 1915, mudou sua sede para a Universal City, no local do antigo Rancho Taylor, no San Francisco Valley. Após anos produzindo filmes mudos, incluindo o clássico O Fantasma da Ópera (The Phantom of the Opera, 1925), a Universal promoveu uma verdadeira revolução técnica ao produzir O Cantor de Jazz (The King of Jazz), em 1930, considerado o primeiro filme sonoro. Apesar do sucesso e da revolução técnica deste filme, a crise de 1929 tinha atingido demais as finanças do estúdio, ameaçando-o de fechamento. Então os monstros vieram em seu socorro.
A peça de teatro Drácula, de Hamilton Deane e John L. Baldereston, fazia sucesso em apresentações pelo país depois de uma vitoriosa e longa temporada na Broadway. A Universal comprou os direitos de filmagens de Florence Stoker, viúva de Bram Stocker, intermediados pelo ator principal da peça na costa oeste, Bela Lugosi, que viria a ser também o ator no filme dirigido por Tod Browning. O negócio foi realizado não por desejos de Carl Lemmle, e sim de seu filho, Carl Lemmle Jr., que teve de convencer o seu pai a investir dinheiro em filmes de terror.
Enquanto os planos da Universal de produzir Drácula eram divulgados, Paul Kohner, executivo encarregado das produções de língua estrangeira, sugeriu que o filme também fosse produzido em língua espanhola, tendo a bela Lupita Tovar (que viria a se tornar sua futura esposa) como protagonista. Assim, a versão inglesa foi sendo produzida simultaneamente a uma versão espanhola, usando, inclusive, os mesmos cenários. Os encarregados das filmagens em língua espanhola assistiam seus colegas norte-americanos trabalhando enquanto esperavam a sua vez, e detestaram o que era produzido, achando que poderiam fazer melhor. Para muitos críticos, a versão em língua espanhola é superior à da língua inglesa.
Foram lançadas versões mudas da versão em inglês, pois o sistema de filmes sonoros ainda não tinha sido instalado em todos os cinemas dos Estados Unidos – e de grande parte do mundo. Os dois filmes foram lançados em 1931 e fizeram sucesso. A versão de língua inglesa demorou para emplacar, mas se transformou no filme de maior renda bruta do ano para a Universal e responsável por manter a empresa em funcionamento depois de dois anos de prejuízo. Motivados pelo sucesso de Drácula, a Universal investiu em outros monstros: Frankenstein (1932), A Múmia (The Mummy, 1932), O Homem Invisível (The Invisible Man, 1933), O Gato Preto (The Black Cat, 1934), A Noiva de Frankenstein (The Bride of Frankenstein, 1935), entre outros. A Universal ficou mundialmente conhecida como a produtora especialista em filmes de terror; Boris Karloff foi dividir o estrelato de filmes de terror com Bela Lugosi depois de interpretar o monstro de Frankenstein, uma das imagens mais conhecidas do século XX; Jack Pierce, o criador da maquiagem dos monstros, assim como o diretor James Whale (de Frankenstein, O Homem Invisível e A Noiva de Frankenstein), tornaram-se lendas.
Curiosamente, os vampiros não foram muito aproveitados pela Universal, que produziu o segundo filme do gênero apenas em 1936, Dracula's Daughter, e o terceiro em 1943, Son of Dracula. Em 1936, Laemmle perdeu o controle do estúdio para Charles Rogers e J. Cheever Cowdin e, nos dez anos seguintes, foram produzidos um grande número de filmes de terror com baixos orçamentos, inclusive de vampiros. Em 1948, ocorreu a união da Universal com a International Pictures, que não produziu filmes de terror com vampiros – com exceção da comédia Abbott and Costello Meet Frankenstein. A própria Universal apenas produziria um outro filme de vampiros em 1979 com Drácula, estrelado por Frank Langella como Drácula e Laurence Olivier com Dr. Van Helsing.
A importância da Universal Pictures para o universo do terror não pode ser medida. O estúdio trouxe em evidência monstros que até hoje estão vivos na imaginação popular, em particular Drácula e Frankenstein, personagens ainda famosos. O estúdio permitiu a entrada de técnicas do expressionismo alemão nos Estados Unidos, realizando uma verdadeira revolução cinematográfica, com um novo uso de efeitos especiais, de sombras e deslocamentos ousados de câmera. O erotismo do olhar de Lugosi em Drácula, as impressionantes cenas com cadáveres em Frankenstein e o anarquismo de O Homem Invisível, entre outros exemplos, abriram perspectivas para novas e ousadas temáticas, além da produção de cenas fortes, até então inéditas em Hollywood.
As imagens criadas pela Universal envelheceram, logicamente, e enfrentaram várias concorrências no decorrer dos tempos, mas o seu pioneirismo não pode ser negado, até pelo contrário: o mundo do terror deve muito à Universal Pictures.

Artigo - Boca do Inferno