OS SETE



Autor: André Vianco
Título Original: Os Sete
Ano: 1999
Editora: Novo Século
Sinopse: Uma caravela portuguesa de cinco séculos é resgatada de um naufrágio no litoral brasileiro. Dentro dela, uma misteriosa caixa de prata esconde um segredo: sete cadáveres aprisionados, acusados de bruxaria. Apesar das advertências grafadas no objeto de prata, a equipe do Departamento de História da Universidade Soares de Porto Alegre decide violar a caixa para estudar os corpos. Afinal, que perigo poderiam oferecer aqueles sete cadáveres? Nenhum. Mas depois que o primeiro deles acorda...



Dentro de todo o gênero horror os vampiros talvez sejam as criaturas do Mal que exercem maior terror e fascínio entre os que apreciam e os que temem o gênero. Mais presentes na literatura, cinema e histórias em quadrinhos do que qualquer personagem bíblico, policial e de ficção científica. Jesus Cristo, Sherlock Holmes e Frankenstein que o digam.
No Brasil a situação é bem diferente. Até existem, mas são poucas as obras literárias e cinematográficas que enfocam o velho e maldito chupa-sangue. Mas se todas as regras apresentam exceções, temos o lançamento de um romance que aborda exatamente os vampiros. E o melhor: escrito por um jovem e talentoso autor brasileiro.
Ele é André Vianco e no livro "Os Sete" nos é mostrado um surpreendente e chocante relato envolvendo um grupo de vampiros que são despertados depois de séculos de descanso forçado. Encerrados numa caixa de prata no interior de uma caravela portuguesa quinhentista, naufragada próxima a uma cidadezinha litorânea do Rio Grande do Sul, eles são descobertos por três jovens mergulhadores em busca de dinheiro fácil.
Vampiros portugueses da época do descobrimento do Brasil despertam no fim do século XX trazendo em suas entranhas terríveis desejos de vingança. Pobres dos brasileiros da cidade fictícia de Amarração. Os vampiros são sete, 'os sete', trazendo cada um misteriosos nomes que trarão em seu bojo revelações de poderes demoníacos, incomuns e espetaculares: Inverno, Acordador, Tempestade, Espelho, Lobo, Gentil e Sétimo.
O primeiro diminui a temperatura a níveis polares, o segundo desperta os mortos, o terceiro provoca chuvas e trovoadas sobrenaturais, o quarto se transforma na imagem humana que quiser, o quinto além de chupa-sangue é também um gigantesco lobisomem, o sexto tem um estranho poder que se manifesta a cada mudança lunar e o último é o mais poderoso, aquele que encerra um poder demoníaco superior a todos os outros.
Vianco conduz a narrativa num ritmo fluente e dinâmico, com muita ação e suspense, tendo o mérito de segurar a história com interesse em suas 380 páginas. As características de cada um dos sete vampiros é explorada ao extremo, bem como suas peculiaridades já tradicionalmente conhecidas.
O texto é repleto de situações de extrema violência e terror desmedido, podendo pegar um leitor mais desavisado desprevenido. Tenha então cuidado, caro leitor. No meu caso fiquei foi surpreso com o vigor e a imaginação do texto, com vívidas e competentes descrições das cenas de violência e morte que os vampiros perpetram contra os indefesos humanos.
Também muito interessante é o choque cultural que os vampiros enfrentam, ao descobrirem que estão muito longe de sua 'terrinha', no outro lado do Atlântico num país que nem existia em sua época e jogados em pleno fim de século XX, com todo o contraste tecnológico e sociológico que quase quinhentos anos de distância pode proporcionar. Mesmo a príncipes das trevas que são virtualmente eternos.
A narrativa segue a perseguição aos vampiros despertos e os horrores que eles provocam na vida dos brasileiros que têm a infelicidade de surgirem em seus caminhos. Inverno, o primeiro a ser desperto, ressuscita devido ao contato com o sangue de uma garota. Ela, ajudada por seu namorado, foge para São Paulo. E Inverno reúne seus outros irmãos para buscarem sua nova mãe, aquela que os trouxe de volta à vida. Capturando-a, pretendem voltar à Portugal e se vingarem de quase quinhentos anos de cativeiro.
Para combater estes vampiros de poderes demoníacos não basta o heroísmo do grupo de mergulhadores que os descobriram. O Exército acaba tomando conta da situação de forma contundente, embora um pouco desordenada, autoritária e inverossímil em algumas passagens.
O autor situa a história na época em que a escreveu. Faz, assim, uma série de referências a acontecimentos cotidianos do Brasil, entre 1998 e 1999, tornando o texto por vezes um pouco datado. Um equívoco pequeno e que não atrapalha o ritmo alucinante dos acontecimentos, mas que poderia ser evitado tornando o texto mais ágil e resistente ao tempo.
Problemas que se repetem em outros detalhes, no qual um bom editor poderia depurar melhor algumas situações, que acaba por revelar um texto que se ressente de um tratamento mais maduro e experiente, como quando alguns personagens se perdem no meio da trama e que poderiam ter um desenvolvimento melhor. Como por exemplo a presença interessante de um padre e o surgimento tardio de um dos vampiros na trama, bem como alguns erros de concordância, além de um certo pudor do autor em preservar a vida de alguns mocinhos da história.
Mas se o livro tem estes pecadilhos, ele é ousado e poderoso em sua concepção e realização, impressionando pelas fortes cenas dos poderes vampíricos, tornando a leitura de "Os Sete", um entretenimento de primeira linha. Um sopro de talento e renovação mais que necessário no horror escrito por brasileiros.

Marcello Simão Branco

Nota: Essa resenha foi publicada originalmente na revista "Sci Fi News" # 57, março de 2002, e foi cedida pelo autor Marcello Simão Branco para publicação no site "Boca do Inferno". O autor é jornalista e editor de ficção científica e horror. Recebeu o "Prêmio Argos 2001", como editor do fanzine "Megalon", a melhor publicação de ficção científica e horror em língua portuguesa. Co-editou a revista "HorrorShow" (editora "Escala", 1997), esteve na organização de quatro convenções multimídias de horror, as "HorrorCons" (entre 1995 e 1998) e editou e organizou a antologia "Outras Copas, Outros Mundos", para a editora "Ano-Luz" em 1998.

O romance de horror vampírico Os Sete é um presente e tanto para os fãs do gênero. Seu autor, André Vianco, tem apenas 26 anos, mas já demonstra um domínio seguro da escrita, além de um talento considerável na concepção de enredos originais e capacidade de manter o pique numa narrativa repleta de ação eletrizante ao longo de quase 400 páginas impressas em corpo pequeno. Um romance com as dimensões de um Stephen King de porte médio; um feito inédito para um autor de horror brasileiro.
O título se refere aos sete cadáveres portugueses selados dentro de um esquife de prata, encontrado por mergulhadores no interior de uma caravela naufragada poucos anos após o descobrimento do Brasil, no litoral próximo à cidadezinha gaúcha fictícia de Amarração. Os especialistas do departamento de história de uma universidade de Porto Alegre são chamados para estudar a descoberta dos mergulhadores locais.
Quando o esquife é aberto num galpão improvisado em laboratório, Eliana, amiga dos mergulhadores e assistente dos cientistas da capital, fere-se acidentalmente, e algumas gotas de seu sangue respingam para dentro do ataúde, caindo sobre um dos cadáveres.
Como que por milagre - como costuma acontecer em nove de cada dez enredos do gênero - o cadáver de meio milênio começa a voltar à vida gradualmente. Os cientistas, técnicos e militares (que a tal altura já haviam sido convocados para manter a segurança do galpão) se apavoram e a entidade, uma vez ressuscitada, consegue se evadir do local, deixando em seu rastro três soldados mortos e congelados.
Isto mesmo: congelados! Pois os vampiros de Vianco não são mortos-vivos convencionais, os hematófagos com que os cultores do gênero já se acostumaram. Cada um dos sete possui um dom especial, além dos poderes inerentes a todo vampiro sobrenatural que se preze.
Embora ardam sob a luz do sol e sintam aversão pelo alho, os vampiros de Vianco não são, em absoluto, afetados por crucifixos e tampouco temem ingressar em igrejas.
O poder especial de Inverno, o vampiro despertado pelo sangue da jovem assistente, é justamente o de produzir um frio intenso, capaz de congelar seus inimigos. Inverno volta ao galpão onde os cientistas mantinham os cadáveres de seus semelhantes e, após uma escaramuça breve mas mortífera com um pelotão de elite do Exército Brasileiro, consegue resgatar e despertar um segundo vampiro: Acordador, que é capaz de despertar os mortos.
O poder especial de Acordador possibilita a Vianco introduzir a temática dos zumbis em seu romance vampírico. E os zumbis são utilizados de forma bastante efetiva dentro da trama, em duas cenas de ação enxutas e bem trabalhadas.
Com a morte de dezenas de militares por congelamento, o Exército brasileiro (EB) se envolve mais seriamente no conflito com os vampiros, colocando a cidadezinha sob uma espécie de lei marcial. Enquanto isto, a universidade decide remover os cadáveres portugueses restantes para Porto Alegre. A estratégia resulta num tiro pela culatra. Pois, embora pesadamente defendida por um batalhão armado até os dentes e trajado com vestes estanques e antitérmicas, a instituição é invadida e os demais vampiros são ressuscitados.
Ao longo da narrativa, torna-se cada vez mais patente o sentimento de estranhamento dos vampiros da Idade Média Portuguesa em relação à sociedade brasileira contemporânea. Ao despertar nesse mundo estranho, quase meio milênio no futuro, numa cultura que eles simplesmente não compreendem, os vampiros se sentem tão surpresos e desamparados quanto humanos desterrados numa civilização alienígena. Contudo, o estranhamento maior aqui não é espacial, mas sim temporal. Porque os vampiros medievais são como viajantes de uma máquina do tempo que naufragaram num futuro remoto. Se por um lado, os imortais são extremamente poderosos, por outro, são mais ignorantes do que crianças. No início, não sabem sequer como se comportar diante de interruptores ou automóveis, isto para não falar da surpresa ante o armamento portátil moderno agora disponível aos mortais. O autor trabalha muito bem esta dicotomia entre o poder tremendo e carência quase total de conhecimento.
Ressuscitados seis dos sete vampiros, o grupo de imortais parte em busca de Eliana, sua mãe-nas-trevas, aquela a quem deviam o despertar. A jovem é defendida por Tiago, o melhor amigo e um dos mergulhadores residentes em Amarração, que haviam efetuado a descoberta inicial do esquife de prata e que se haviam associado à equipe científica.
Tiago é o verdadeiro protagonista da trama.
Sabendo-se incapazes de enfrentar inimigos tão poderosos, o casal de jovens foge da cidadezinha, mas não consegue manter os vampiros fora de seu encalço por muito tempo.
Paralelamente à caçada que os vampiros empreendem à Eliana, o EB reúne um comando especial com ordens do mais alto escalão para eliminar definitivamente a ameaça dos vampiros. O grupo é comandado por um tenente, o que não deixa de ser uma inconsistência, pois o comando de uma operação desta envergadura decerto seria atribuído no mínimo a um coronel, porém, mais provavelmente, a um general. O grupo é assistido por um padre especializado em fenômenos paranormais e mistérios da Igreja e da fé. Um personagem interessante que poderia ter sido melhor explorado. Aliás, de uma maneira geral, a descrição do modus operandi das estratégias e manobras dos militares deixa a desejar. Porém, trata-se de uma falha menor, uma vez que Os Sete é um romance de vampiros (e dos bons), sem maiores pretensões de se caracterizar como technothriller militar.
A explicação do autor para o fenômeno do vampirismo não chega a ser original: trata-se do conhecido recurso ao sobrenatural, nenhuma novidade aqui. Mais inventiva, contudo, é a explicação da origem e da natureza dos poderes especiais dos sete vampiros. Eles teriam vivido como vampiros comuns por vários séculos na região do D'ouro, no norte de Portugal, antes de adquirirem seus poderes únicos que os distinguem dos vampiros convencionais.
Aliás, um dos pontos mais interessantes do romance é o contraponto ciência vs. sobrenatural. Embora a explicação do vampirismo seja sobrenatural, os meios que os humanos contemporâneos empregam para combatê-lo são, não raro, aqueles possibilitados pela tecnologia bélica moderna. Este emprego de alta tecnologia para combater vampiros atinge seu auge no clímax do romance, quando Exército e Marinha unem esforços para evitar que os vampiros superpoderosos se evadam do território nacional.
Para os amantes do horror, os melhores trechos de uma história do gênero são as cenas fortes e contundentes, momentos em que as entidades sobrenaturais se manifestam de forma clara e inequívoca, atemorizando os mortais e brincando com as vidas dos homens e mulheres normais, da gente como a gente. Neste sentido, Vianco é um autor de horror de mão-cheia, capaz de criar cenas de ação célere, de tirar o fôlego, e descrições de grande apelo visual e poder quase cinematográfico. Seus vampiros soam mais reais justamente pelo fato de não serem intrinsecamente maus, mas antes, corrompidos pelo poder quase absoluto que detêm, a ponto de exprimir quase sempre aquela indiferença em relação aos humanos mortais que já se tornou um clichê dentro do gênero. Desta forma, como deuses, tanto são capazes de recompensar regiamente aqueles que lhes prestaram auxílio desinteressado, quanto de torcer o pescoço ou tomar o sangue de qualquer um que contrarie minimamente a vontade deles.
Além da temática vampírica e dos zumbis, Vianco faz uma espécie de turnê pelos monstros clássicos do horror. Um dos vampiros torna-se um lobisomem nas noites de lua cheia, voltando a assumir a condição de vampiro normal no restante do tempo. Até seus semelhantes sentem medo de Lobo, quando esse se transforma em licantropo. Já outro vampiro, Espelho, é também um metamorfo, criatura capaz de assumir a aparência de qualquer ser vivo.
Contudo, o vampiro mais atemorizante é Sétimo, uma entidade tão maligna que os outros seis vampiros relutam em despertá-lo. Já Gentil, o único vampiro bom caráter do grupo, é também o mais poderoso, pois seu dom é capaz de romper a própria estrutura do continuum espaçotemporal.
Se as cenas de ação e suspense são bem escritas, constituindo os pontos altos do romance, o mesmo já não se pode dizer das cenas românticas. O autor não pareceu interessado em investir seus recursos narrativos na ação romântica. Assim, embora desconfiemos que Tiago e Eliana mantenham uma relação sexo-afetiva, não só não os vemos transando, como só temos nossas suspeitas neste sentido confirmadas por uma menção en passant, numa altura em que o leitor menos atento talvez já estivesse imaginando que os dois talvez não passassem de "apenas bons amigos".
Os Sete sofre de um problema relativamente comum à maioria dos enredos do gênero: não obstante o fato dos vampiros serem muito poderosos - em verdade, muito mais poderosos do que meros vampiros, a ponto de derrotarem todo um batalhão de elite aparelhado com armas e equipamentos especiais - o protagonista consegue enfrentá-los sozinho várias vezes, geralmente com vantagem, mesmo em ocasiões em que dispunha de pouco mais do que as mãos nuas para investir contra os inimigos.
Contudo, mesmo em suas falhas, Os Sete deixa transparecer seu vigor narrativo, sua ousadia e originalidade, constituindo uma leitura prazerosa, capaz de prender a atenção do leitor da primeira à última página. André Vianco é uma promessa. Vamos torcer para que continue produzindo outros romances como esse.

Gerson Lodi-Ribeiro

Nota: Essa resenha foi publicada originalmente no fanzine "Megalon" # 64, março de 2002, e foi cedida pelo autor Gerson Lodi-Ribeiro e pelo editor do "Megalon" Marcello Simão Branco para publicação no site "Boca do Inferno".

André Vianco merece a admiração de todos. Penetrar suas histórias banais e divertidas em um mercado lotado de elitismo, intelectualismo e prolixidade é extremamente difícil. Os Sete é o primeiro livro dele nacionalmente publicado, e mostra um tremendo potencial criativo mal desenvolvido. Primeiro, vamos ao básico. Não passe da primeira página esperando algo que vai mudar a sua vida. É uma história interessante, divertida, fácil de ler, mas relativamente inócua. Pessoas esperam Machado de Assis em todos os livros, e por isso dão notas baixas. O estilo de narrativa de Vianco é um tanto artificial e mecânico, suas descrições meramente superficiais (e algumas vezes, redundantes). Demonstra uma dificuldade em manusear as letras para formar uma "livro de verdade". Passa a impressão que era para ser um filme, ao invés de um livro. Autores assim tentam trabalham demais tentando ultrapassar as desvantagens do meio escrito ao invés de usar as suas vantagens. Outra falha importante é a falta de vida dos personagens. Eles quase nunca demonstram dúvida ou receio na hora de executar ações, como se sempre estivessem certeza do que fazem. Como eu disse antes, a narrativa só nos mostra o que eles fazem, e raramente nos mostra o que pensam. Os Sete é basicamente um filme de ação de Hollywood. Está tudo aí, a história bem bolada, o espaço para uma sequência, as cenas de ação bem distribuídas. Também estão os personagens fracos e uma falta de conteúdo intelectual. Mas às vezes esse último é imprescindível para relaxar no final de um dia estressante. Leitura divertida, mas não indispensável.